segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Os portadores de fissura lábio-palatina e suas relações afetivas

A fissura lábio-palatina, segundo Rodrigues et al. (2005) é uma malformação congênita que ocorre no decorrer do desenvolvimento fetal durante o período embrionário (3ª a 8ª semana de vida intra-uterina) e início do período fetal (7ª a 12ª semana de vida intra-uterina) devido a falta de fusão entre os processos faciais e palatinos.
De acordo com Freitas e Silva et al. (2008) e Bunduki et al. (2001), a fenda labial pode apresentar diversas formas clínicas, tornando necessário um sistema de classificação para identificar os diversos tipos de fissuras as quais podem ser completas ou incompletas, unilateral, bilateral ou medianas, simétrica ou assimétrica e estar associada ou não à fenda palatina. Pensando nesta classificação Spina et al. (apud FREITAS; SILVA et al., 2008) subdividiram as fissuras lábio-palatinas em pré-forame incisivo, transforame incisivo e pós-forame incisivo.
Spina et al. (apud RODRIGUES et al., 2005) define as fissuras por sua extensão tendo como referência anatômica o forame incisivo, resgatando, assim, a origem embriológica da fissura. Essa classificação divide as fissuras em quatro grupos. No Grupo I, estão as fissuras pré-forame incisivo que envolve o lábio e/ou o rebordo alveolar e podem ser: unilaterais, bilaterais e medianas. No Grupo II, estão as fissuras transforame incisivo, as quais envolvem lábio e palato e também podem ser unilaterais ou bilaterais. As fissuras pós-forame incisivo fazem parte do Grupo III e podem ser completas ou incompletas, e por fim, no Grupo IV, encontram-se as fissuras raras da face.
Quanto a etiologia Rodrigues et al. (2005) nos diz que essa malformação é multifatorial, somatória dos fatores hereditários e ambientais onde se encontra explícito o uso de drogas, o nível elevado de estresse, bem como quaisquer outras alterações que acometem a mulher no início da gravidez.
Esta deficiência é uma das deformidades crânio-faciais mais comum, e, segundo Veronez; Tavaro (2005), Sandrini et al. (2006), Bastos; Gardenal; Bogo (2008) e Freitas e Silva et al. (2008), podem causar diversos transtornos de ordem funcional, estético e nutricional por apresentar um impacto significativo na audição, dicção, deglutição e na aparência do indivíduo, interferindo principalmente em sua auto-estima, e consequentemente em sua saúde mental. Perante esta questão Bastos, Gardenal, Bogo (2008) enfatizam que tais alterações estéticas e funcionais é fidedigna a uma atenção integral ao portador, considerando que tais modificações morfológicas interferem no desenvolvimento biopsicossocial dificultando sua inserção no meio como um todo, prejuízos esses que, mesmo reparados, podem incidir em toda a sua vida.
Sandrini et al. (2006) relata que as pessoas diagnosticadas com fissuras lábio-palatinas devem ser sempre encaminhadas a uma equipe multiprofissional composta por psicólogos, assistentes sociais, fonoaudiólogos, otorrinolaringologista, cirurgiões dentistas principalmente nas áreas de bucomaxilofacial e ortodontia, além de profissionais especializados em genética clínica e cirurgia plástica. Para Spiri e Leite (1999) o trabalho em equipe é considerado como um dos pilares da reabilitação, e caso esta não trabalhar de forma efetiva a reabilitação corre o risco de se tornar um processo inviável.
Em contraponto, Veronez e Tavano (2005) abordam que quando o paciente ou a família procura recursos profissionais para tratar desta deficiência, na verdade estão buscando além da cura, a aceitação, a compreensão e um suporte para as condições emocionalmente abaladas. Assim, a saúde e a integração social necessitam de uma intervenção precoce, bem como um acompanhamento longitudinal para que a reabilitação propicie um resultado satisfatório. Contudo, no decorrer deste processo, tanto o portador quanto a família são atingidos por um significante estresse crônico físico, emocional e social devido à diversidade de emoções e sentimentos oriundos das expectativas e frustrações a respeito do andamento do tratamento, da situação de hospitalização, do enfrentamento do estigma e da exclusão que a sociedade impõe quanto às oportunidades educacionais e profissionais.
Sabe-se que nos dias de hoje nossa sociedade em geral acaba estereotipando o conceito do que é ser belo, deixando muitas vezes de lado a subjetividade do ser humano, sendo que de acordo com Ferreira (2000) [...] subjetividade significa tudo aquilo que é relacional ao sujeito. Enquanto isso, Guattari (2000) nos coloca que as subjetividades são produzidas por diferentes dispositivos: econômicos, sociais, afetivos, tecnológicos, ecológicos, midiáticos, dentre outros. Já Velho (2005) salienta que a família é uma instituição fundamental no processo de socialização da subjetividade, a qual será de algum modo construída, elaborada ou desenvolvida dependendo do ponto de partida em função de certas agências.
Diante disso, Goffman apud Veronez; Tavaro (2005) afirma que a estigmatização é decorrente de uma sociedade preconizadora de um modelo ideal, agredindo, de certa forma, o diferente com olhares de curiosidade e perguntas especulatórias. (Repete introdução - Rever).

Já para Ângelo (1994), Amaral (1994) e Strauss (1997) (apud MARQUES, 2004):
A deficiência proporciona uma condição de diferença aos padrões de normalidade impostos pela sociedade. As reações humanas são variadas e, do ponto de vista psicológico, nunca passam despercebidas, desorganizando e mobilizando a dinâmica das relações familiares, interpessoais e afetivas desse individuo.

Para Bachega apud Veronez e Tavaro (2005), a formação da auto-imagem pode ser prejudicada no decorrer dos contatos sociais pré-estabelecidos devido à ansiedade, o medo e a vergonha, podendo aumentar ainda mais o desajustamento social já que o diferente sempre foi alvo de discriminação e preconceito em nossa sociedade, dando muitas vezes margem para a interpretação errônea onde o diferente passa a ser interpretado com inferior.
Faz-se necessário esclarecer aos familiares que não é isolando os pacientes que se resolve determinados fatos, além de deixar claro que as patologias não escolhem um ou outro patamar social para se instalar, sendo assim, esta atinge tanto os baixos quanto os mais altos escalões de entes coexistentes em diferentes contextos sociais. Porém, ainda basta à vontade e o bom senso dos profissionais que lidam com essas pessoas para orientar os familiares no sentido de compreender o problema e adquirir habilidades para conviver com as particularidades de seus familiares especiais.

Bastos, Gardenal e Bogo (2008, p. 286) nos diz que:
Cuidar de uma pessoa é ajudá-la com seu crescimento e auto-realização, é um processo, uma relação que denominamos de relação terapêutica. Cuidar, portanto, envolve um profundo respeito pela alteridade do outro, ajudar o outro a cuidar de si mesmo, através de uma aliança estabelecida entre os envolvidos na relação.

Nesse sentido, tanto o profissional quanto a família, a escola e a sociedade em geral, devem antes de tudo, valorizar o ser humano em sua íntegra, com suas peculiaridades inerentes à sua natureza, inclusive suas necessidades psíquicas, orgânicas, espirituais e materiais.
Bastos, Gardenal e Bogo (2008) discutem ainda que os ajustamentos psicossociais desses pacientes podem ocorrer de maneira mais digna e ética na medida em que os profissionais da saúde e da educação começarem a se implicar de forma mais efetiva como agentes transformadores deste processo.
De acordo com a definição adotada pela Organização Mundial da Saúde (OMS), por ocasião de sua fundação em 1946, “saúde” é muito mais do que a “ausência de doenças”. Neste sentido, o direito à saúde deve ser compreendido não somente como acesso a hospitais e medicamentos, mas se trata de garantir o bem-estar biopsicossocial das pessoas.

Ou ainda, segundo as palavras de Spink (2007, p. 347):
[...] em seu sentido mais abrangente, saúde é a resultante das condições de alimentação, habitação, renda, meio ambiente, trabalho, transporte, emprego, lazer, liberdade, acesso e posse da terra, e acesso a serviços de saúde. É assim, antes de tudo, o resultado das formas de organização social da produção, as quais podem gerar grandes desigualdades nos níveis de vida.

Por fim, Veronez; Tavaro (2005) ressalva que todos nós temos uma identidade pessoal que os outros nos atribuem de acordo com nossas aparências físicas. A pessoa que nos tornamos é uma construção história que inclui a auto-representação e a representação que os outros fazem de nós. Ou ainda, que em nosso corpo se inscreve toda uma série de medos e fantasias que determinam o grau de satisfação do indivíduo consigo mesmo. Assim sendo, o trabalho do psicólogo também deve ter como intuito principal auxiliar as pessoas a se gostarem, pois isso é um sinal de saúde mental.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÀFICAS:


ANDRADE, Denise de; ANGERAMI, Emília Luígia Saporiti. A auto-estima em adolescentes com e sem fissuras de lábio e/ou de palato. Rev. Latino-Am. Enfermagem [online]. vol. 9, n.6, p. 37-41, nov-dez, 2001.


BASTOS, Paulo Roberto Haidamus de Oliveira; GARDENAL, Mirela; BOGO, Danielle. O ajustamento social dos portadores de anomalias craniofaciais e a práxis humanista. Rev. Arq. Int. Otorrinolaringol., Intl. Arch. Otorhinolaryngol. vol. 12, n. 2, p. 280-288, 2008.


BRASIL, Fernanda Renda; TAVANO, Liliam D’ Aquino; CARAMASCHI, Sandro; RODRIGUES, Olga Maria Piazentin Rolim. Escolha de parceiros afetivos: influência das sequelas de fissura labiopalatal. Rev. Paidéia [online]. vol. 17, n. 38, p. 375-387, 2007.


BUNDUKI, Victor; RUANO, Rodrigo; SAPIENZA, Andréia David; HANAOKA, Beatriz Yae; ZUGAIB, Marcelo. Diagnóstico pré-natal de fenda labial e palatina: experiência de 40 casos. Rev. RBGO [online]. vol. 23, n. 9, p. 561-566, 2001.


FERREIRA, May Guimarães. Concepções de subjetividade em psicologia. Campinas: Pontes, Maranhão: CEFET-PR - Centro Federal de Educação Tecnológica, 2000, 112 p.


FREITAS e SILVA; Dalyse Salles; MAURO, Lucy Dalva Lopes; OLIVEIRA, Luciana Butini; ARDENGHI, Thiago Machado; BÖNECKER, Marcelo. Estudo descritivo de fissuras lábio-palatinas relacionadas a fatores individuais, sistêmicos e sociais. Rev. RGO Porto Alegre [online]. vol. 56, n. 4, p. 387-391, out-dez, 2008.


GUATTARI, Felix; ROLNIK, Suely. Micropolítica: cartografias do desejo. 6. ed. Petrópolis: Vozes, 2000.


JACÓ-VILELA, Ana Maria; SATO, Leny (Orgs.). Diálogos em Psicologia Social. In: SPINK, Mary Jane P. Sobre a promoção da saúde: tensões entre o risco na modalidade da aventura e as estratégias contemporâneas de biocontrole. Porto Alegre: Editora Evangraf Ltda, 2007.


MARQUES, Luciana Corrêa. Implicações psicossociais da realização da faringoplastia em indivíduos com fissura labiopalatina. 2004. 92 f. Dissertação (Mestrado - Distúrbios da Comunicação Humana) - Universidade de São Paulo, Bauru, 2004.


RODRIGUES; Marina Roncatto; COSTA, Beatriz; GOMIDE, Márcia Ribeiro; NEVES, Lucimara Teixeira das. Fissura completa bilateral: características morfológicas. Rev. de Odontologia da UNESP [online]. vol. 34, n. 2, p. 67-72, 2005.


SANDRINI; Francisco Aurélio Lucchesi; ROBINSON, Wanyce Míriam; PASKULIN, Giorgio; LIMA, Magda Cirne. Estudo familiar de pacientes com anomalias associadas às fissuras labiopalatinas no serviço de defeitos de face da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Rev. Cir. Buco-Maxilo-Fac., Camaragibe [online]. v. 6, n. 2, p. 57-68, abr-jun. 2006.


SPIRI, Wilza Carla; LEITE, Maria Madalena Januário. Convivendo com o portador de fissura lábio-palatal: o vivencial da enfermeira. Rev. esc. enferm. USP [online]. vol.33, n.1, pp. 81-94, mar. 1999.


VELHO, Gilberto. Família e Subjetividade. In: ALMEIDA, Ângela Mendes de; CARNEIRO, Maria José; PAULA, Silvana Gonçalvez de; SAMARA, Emi de Mesquita. Pensando a família no Brasil: da colônia a modernidade. Rio de Janeiro: Espaço e Tempo, p. 79-87, 1986.


VERONEZ, Fulvia S.; TAVANO, Liliam D’ Aquino. Modificações psicossociais observadas pós-cirurgia ortognática em pacientes com e sem fissuras labiopalatinas. Rev. Arq. Ciênc. Saúde [online]. vol. 12, n. 3, p. 133-137, jul-set, 2005.


OBSERVAÇÃO: Este texto refere-se a uma pesquisa realizada por mim, Tiago Luis Pezzini por conta própria, assim sendo, as colocações que não contém referências teóricos são fruto de reflexões a respeito de.

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